O ESTADO DO BOSQUE, porque tudo é caminho

Lisboa aqui tão perto, num sábado de ir e vir, com estradas e agendas desimpedidas. Numa metade de dia sem manos, mas bastante bem acompanhados, trouxemos quilómetros (d)e reflexoes oportunas para início de quaresma e mais uma peça encaixada no coração.
Pela cidade, sinais remotos de uma manifestação contra a troika, com desvios e os solavancos das voltas ao bairro que é alto.  Para os lados do Princípe Real, uma esplanada cosmopolita em redor do Quiosque de Refresco, bebemos a última e mais acertada indicação da tarde de dois quarentões que podiam ter ambos saído d’”O Alfaiate Lisboeta“. Foram eles que nos guiaram, não no Bosque, mas ao Teatro da Cornucópia. Lá dentro uma MORADA de escuridão e luz onde entrámos nessa tarde interior. Cá fora ficou um ex-Ministro (Guterres), ao lado do Pedro sentou o autor do texto. Confesso que fui sendo absoervida pelo estado do bosque. Passadas 24 horas sinto que ainda preciso de andar pela escuridão a escutar-me, para perceber o impacto do que ali vi(vi).

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John Wolf |  Quem apenas quer a meta não viaja.
Peter | Eu sou apenas um estranho à beira de um bosque.
John Wolf | Um dia os homens deixarão os aviões, os transatlânticos, os comboios de alta velocidade, os automóveis para regressar aos caminhos do bosque.
Peter | E que oferecem aos homens esses caminhos? Por alguma razão foram abandonados.
John Wolf | Preferimos o sacrifício mais absurdo. O progresso técnico, e só técnico… cada vez mais sofisticado. Mas em relação aos caminhos interiores não é assim. Tem um coração e serás salvo.
Peter | Mas isso é o passado. Saímos dos bosques há milhares de anos. Donde virá o novo?
John Wolf | O mundo ficou sombrio e severo.
Jacob | As tuas palavras assustam-me.
John Wolf |  O falcão deixou de contar conosco para que o ensinemos a voar.
Peter | Enigmas e mais enigmas.
John Wolf | Não tens de escutar. Tens de te escutar.
Peter | Mas pode um homem escutar a sua escuridão?
John WolfTudo é caminho.
Jacob | Por isso viemos até ao bosque, para que nos conduzas.
In O Estado do Bosque
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Na quarta cena – de um total de sete – uma oração que conhecemos como  “Pai-nosso” aparece adulterada, assumindo o “Nada” um papel  central: «Nada nosso que estás no Nada/ Seja Nada o teu nome/ Venha a nós o  Nada do teu reino/ Seja claro o Nada da tua vontade/ Assim na Terra como no Céu./  O Nada que nos alimenta nos dá hoje/ Perdoa-nos sempre que não formos Nada/  Como tentaremos perdoar a cada uma das tuas criaturas/ Não nos deixes incorrer  em tentação/ E livra-nos de não sermos o teu Nada».

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“O Estado do Bosque” «é, assumidamente uma peça poética» afirma Luís Miguel Cintra, encenador e co-diretor do Teatro da  Cornucópia, que explica, “acho que a peça fala de religião, mas de modo tão alheio ao cheiro  da sacristia que pode interessar a não crentes”.

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«Há um bosque. Há um cego que é o único que pode guiar os  outros na travessia do bosque: John Wolf. Há o destino que pensava vencer o  cego. Há um homem de meia idade e um homem mais novo que acabam por atravessar  o bosque com o cego. Há uma rapariga que fica de fora: Vivianne Mars. John Wolf  reza outra versão da “oração que Deus nos ensinou”. + HISTÓRIA
 
O texto do padre e poeta é encenado por Luís Miguel Cintra, que também interpreta a peça juntamente com David Granada, Nuno Nunes e Vera Barreto. Estreou a 7 de fevereiro e as 17 sessões, já com as extras pelo meio, demonstram bem o interesse que a mesma tem despertado. “O Estado do Bosque” fica em cena até 24 de  fevereiro, de terça a sábado às 21h00 e aos domingos às 16h00.